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OPINIÃO

Guerras, tragédias, crises: quem aguenta tanta notícia ruim?

Crianças palestinas aguardam por comida em um ponto de distribuição na Faixa de Gaza Imagem: Eyad Baba / AFP

Ricardo Kotscho

Colunista do UOL

08/06/2025 05h30

É um massacre. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, em todas as plataformas, somos bombardeados sem tréguas por notícias sobre desgraças em geral, no Brasil e no resto do mundo.

Não sei os caros leitores, mas confesso que isso está me fazendo muito mal. Dá até medo de ligar a televisão, abrir o jornal ou o computador para não estragar o dia. A ditadura da audiência, dos cliques e dos algoritmos não dá tréguas e, ao final do dia, temos a impressão de que o mundo vai acabar amanhã.

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Por isso, tem cada vez mais gente procurando se desligar do noticiário e se refugiar num livro, de preferência num lugar bem distante do alcance das notícias, para resguardar sua saúde mental. Mas isso não muda a realidade. Aonde quer que você vá, sempre terá alguém para puxar conversa sobre coisas negativas. Cria-se um círculo vicioso, em que uma desgraça puxa a outra e não deixa espaço para alimentar qualquer esperança.

"Good news is no news" (boa notícia não é notícia), já diziam os jornalistas americanos no século ado, quando não existiam celulares e redes sociais, e a concorrência se limitava a meia dúzia de veículos em cada mídia e se baseava em quem tinha as melhores histórias para contar, boas ou ruins.

Esta semana, Lucia Guimarães, correspondente da Folha em Nova York, escreveu em sua coluna "O crime cai, e o medo sobe em Nova York" sobre a receita infalível para ganhar a atenção do distinto público:

"Muito antes da era digital e do jornalismo caça-cliques, o popular ditado nas redações locais era "if it bleed, it leads" (se sangra, dá manchete). Era a época dos jornais populares em que "espremendo, sai sangue", campeões de circulação nas bancas.

Agora, com uma séria crise de audiência do "Fantástico", leio no jornal que a direção da Globo encontrou um culpado: o excesso de matérias mais leves, de entretenimento, em lugar das reportagens policiais sobre crimes, escândalos, casos bizarros, denúncias, corrupções, o cardápio dos programas popularescos dos finais de tarde na concorrência.

Se por acaso acontece alguma coisa boa no país, o crescimento do PIB ou a queda do desemprego, como aconteceu esta semana, sempre tem um "mas" para relativizar. "Economia cresce no primeiro semestre, mas pode estagnar no segundo", "Emprego e renda crescem, mas podem gerar mais inflação".

Num mundo dominado por barbaridades diárias dos trumps, putins, musks e netanyahus da vida (e da morte), o que nunca falta são más notícias, tornando o mundo cada vez pior e mais inseguro e gerando uma depressão coletiva, no qual o antigo estado do bem-estar social dá lugar ao mau humor generalizado e à desesperança.

O jornalismo colabora para isso, ao substituir o trabalho de campo dos repórteres, que podem garimpar novas e boas histórias da vida real, por comentaristas de estúdio, que adoram falar de crises e conflitos, em repetitivas e chatas mesas redondas, online e full time, com uma pauta única sequestrada por personagens midiáticos em busca de cliques.

Anos atrás, quando essa onda negativa começou, a Folha chegou a criar uma rubrica fixa para "Boa Notícia", que durou pouco tempo por falta de matéria-prima.

Nós não vamos mudar o mundo, eu sei, mas se mudarmos um pouco a pauta e sujarmos os sapatos em busca de novos personagens e histórias inspiradoras já poderíamos contribuir para tornar o noticiário menos pessimista e hostil. Não custa nada, só dá mais trabalho.

Se o caro leitor ou leitora tiver sugestões para dar, eu agradeço.

Vida que segue.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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