Conselho de Ética da Câmara arquiva 7 a cada 10 ações contra deputados
O Conselho de Ética da Câmara já arquivou mais de 70% das representações apresentadas contra deputados desde que foi criado, em outubro de 2001. Nos últimos 21 anos, o colegiado recebeu 212 processos — e engavetou 152 deles. A comissão tem o poder de analisar eventuais quebras no decoro parlamentar e aplicar punições aos congressistas.
Entre as possíveis sanções estão a censura verbal ou escrita, a suspensão do exercício por até seis meses e a cassação do mandato — punição que foi sugerida 24 vezes pelo colegiado ao plenário, que referenda a perda de cargo.
A mais recente delas foi em junho do ano ado contra a ex-deputada Flordelis (então PSD-RJ), acusada de ser mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019.
A primeira perda de mandato sugerida pelo Conselho de Ética ocorreu em 2004. O órgão recomendou a cassação do deputado André Luiz (eleito pelo então PMDB e sem partido, à época em que foi cassado), acusado de tentativa de extorsão de R$ 4 milhões para retirar o nome do bicheiro Carlos Cachoeira do relatório final da I (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Loterj, realizada naquele ano, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Entre as 24 sugestões de perda de mandato feitas pelo conselho, 8 foram confirmadas pelo plenário da Câmara. Veja a lista:
- Flordelis (PSD-RJ), com 437 votos
- Natan Donadon (sem partido-RO), com 467 votos
- Eduardo Cunha (MDB-RJ), com 450 votos
- André Vargas (PT-PT), com 359 votos
- Roberto Jefferson (PTB-RJ), com 313 votos
- André Luis (sem partido-RJ), com 311 votos
- José Dirceu (PT-SP), com 293 votos
- Pedro Corrêa (PP-PE), com 261 votos
Para que uma cassação seja confirmada em plenário, é necessária maioria simples, ou seja, 257 votos entre os 513 deputados.
Antes criação do conselho, outros 17 deputados haviam sido cassados pelo Congresso desde o fim do regime militar (1964-1985) — o último foi Hildebrando Pascoal (AC), em setembro de 1999, acusado de envolvimento com narcotráfico e esquema de venda de sentenças.
Até 2001, as denúncias contra parlamentares eram recebidas pelo corregedor da Câmara e ficava a seu critério pessoal dar continuidade ao processo, bem como a fixação dos prazos para produção de provas e o acolhimento da defesa.
Arquivamento contra o presidente
Um dos casos já arquivados pelo Conselho de Ética foi contra o atual presidente Jair Bolsonaro, em 2016, por "falta de justa causa". À época, o PV citou a homenagem que o então deputado do PSC fez ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra durante a votação que confirmou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O militar comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas) de São Paulo entre 1970 e 1974, durante a ditadura (1964-1985).
Outro exemplo de arquivamento foi contra o ex-deputado Alberto Fraga, ex-aliado de Bolsonaro, que em uma sessão de plenário disse que "mulher que participa da política e bate como homem tem de apanhar como homem também". O PC do B pediu que o parlamentar fosse responsabilizado, mas a ação foi engavetada pelo entendimento do colegiado de que o verbo "bater" não foi utilizado em seu sentido literal.
Bolsonaristas na mira
Desde o início desta legislatura, a maioria das representações apresentadas questionou o decoro parlamentar de deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL).
De 2019 até 2022, foram protocolados 58 processos — sendo 39 contra bolsonaristas, o que equivale a 67%. Desses, dez são contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um dos filhos do chefe do Executivo. Em seu segundo mandato, ele é recordista de representações nos últimos quatro anos. Apenas três desses processos foram analisados até hoje e todos foram arquivados.
Outro aliado de Bolsonaro, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) já foi alvo de nove processos — basicamente todas as representações tratam sobre o vídeo publicado nas redes sociais no qual o parlamentar faz apologia ao golpe militar e ataca os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Nenhum deles avançou até o plenário da Câmara.
Silveira foi condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicialmente fechado por ataques feitos a integrantes da corte. Além da imposição de pena, os magistrados também votaram para cassar o mandato do parlamentar e suspender os direitos políticos. Bolsonaro, porém, concedeu indulto ao deputado — e sua candidatura ainda é incerta (caberá à Corte analisar a constitucionalidade do decreto do presidente).
Procurado, Silveira informou, em nota, que os processos foram abertos "de forma ideológica por partidos de oposição, sem teor técnico e fundamento aceitável. Movidos por apenas ideologias esvaziadas. Vendo quem e quais partidos representaram, vemos, claramente, que estamos no caminho certo".
"Cito como exemplo um processo aberto por eu ter apresentado projeto de lei por buscar tornar o grupo antifas, grupo de terrorismo. Outro por eu estar em manifestação e alertar aos extremistas da esquerda que em manifestações que eles agrediram pessoas, iriam encontrar um armado que provavelmente defenderia a família e talvez usasse da letalidade", completou.
A reportagem também procurou Eduardo, mas até a última atualização desta reportagem, não teve resposta.
Outras legislaturas
Na legislatura anterior (de 2015 a 2018), foram apresentadas 28 representações, quase metade do número atual do colegiado. De 2011 a 2015, parlamentares ingressaram com 20 processos no colegiado — 10 a mais da quantidade protocolada entre 2007 e 2010.
Antes disso, operações policiais e escândalos de corrupção serviram de motivo para a apresentação de processos contra deputados. Em 2006, por exemplo, quando foi deflagrada pela Polícia Federal a Operação Sanguessuga — que investigou um esquema de fraude em licitações na área da saúde e desvios de dinheiro público para a compra de ambulâncias — foram apresentadas 71 representações.
No ano anterior, em 2005, quando estourou o escândalo do Mensalão — um esquema de compra de apoio político no Congresso também durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — foram protocoladas 23. Naquele ano, o plenário da Câmara cassou José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil e um um dos principais responsáveis pela campanha vitoriosa do petista em 2002.
No total, de 2003 a 2006, somaram-se 95 representações.
Acusado de corrupção
A demora para a chegada de alguns processos ao Conselho de Ética também chama a atenção. Como é o caso da representação contra Wilson Santiago (Republicanos-PB), apresentada no início deste ano, pelo Novo. O processo foi instaurado só dois anos depois que o plenário derrubou a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que afastou o deputado após suspeita de corrupção.
O principal argumento utilizado por integrantes do Centrão para manter o mandato de Santiago e contrariar a decisão da Corte foi que o caso deveria ser tratado pelos próprios parlamentares, por meio do colegiado. Por isso, deveria ser ingressada uma ação no órgão.
Entretanto, o colegiado ainda não deliberou sobre o caso. Santiago é acusado pelo Ministério Público de desviar recursos de obras para mitigar os impactos da seca no sertão da Paraíba.
Mudanças antirregimentais
Já considerado alto, o número de ações engavetadas pelo conselho ainda pode aumentar. Isso porque o presidente do colegiado, o deputado Paulo Azi (União-BA), fez mudanças nas regras do órgão sem que tivesse previsão regimental e criou um "exame prévio de issibilidade" das representações — ou seja, ele ou a ter o poder de avaliar se o processo se encaixa ou não nas regras sobre quebra de decoro parlamentar.
Se algum membro do conselho discordar, pode entrar com um recurso contra a decisão do presidente — que colocará o caso em votação no colegiado.
Na prática, porém, a manobra permite que Azi barre de antemão ações contra aliados — sem que elas tramitem na comissão. O presidente do conselho utilizou o recurso duas vezes até o momento — entre eles, o processo apresentado pelo PSOL contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A justificativa da liderança é que Lira agiu com "autoritarismo, excesso das suas prerrogativas como presidente [da Câmara], ameaça e descumprimento do regimento".
Na ocasião, Azi negou a abertura do processo "por ausência de justa causa, com base na decisão do presidente do Conselho de Ética". Foi apresentado um recurso contra a deliberação de não receber a ação. Azi colocou em votação e recebeu 13 votos contrários e 5 favoráveis.
Inicialmente, o rito normal era que todas as representações já tramitavam automaticamente, com a escolha de um relator. A análise de issibilidade era posterior à apresentação do relatório.
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